por Denis Minev, Secretário de Planejamento do Estado do Amazonas
Acostumamo-nos a um profundo nível de ilegalidade em nossas vidas e arredores. Olhe em torno de si e tente identificar o que é legal. A construção na qual você se encontra talvez não tenha o habite-se. O restaurante onde você almoça talvez não tenha licença sanitária e não dê nota fiscal. Será que o peixe que você comeu foi capturado de forma legal? O funcionário da mercearia que você frequenta tem carteira assinada? Recebe um extra por fora?
Se formos ao interior do Amazonas, a situação é ainda mais complicada. Desde as prefeituras com dívidas frente ao INSS até os mercados e lojas sem CNPJ e cidadãos sem certidão de nascimento ou CPF. Os aeroportos e portos em muitos casos não atendem às normas nacionais. Vive-se uma situação de fantasmagórica inexistência. Há dois motivos principais para esta situação: 1) leis que foram escritas muitas vezes em gabinetes em Brasília de forma incompatível com a realidade e 2) a aceitação por parte de amazonenses de ilegalidades como práticas normais, mesmo quando as leis são adequadas.
Há avanços em alguns destes quesitos. Por exemplo, o deficit de certidões de nascimento se reduziu nos últimos anos, assim como matrimônios comunitários tornaram casais legais perante a lei. Um forte motivo tem sido o incentivo gerado pelas possibilidades de recepção do Bolsa Família e aposentadorias rurais. Melhorias na fiscalização ambiental têm permitido o crescimento de uma economia formal de produtos florestais (madeireiros ou não) e algumas obras têm possibilitado a melhoria e legalização de aeroportos e portos. A frente mais crucial desta batalha, entretanto, está sendo travada agora, com a regularização fundiária, na forma da Medida Provisória 458. A despeito de muitos esforços com regularização e distribuição de títulos de propriedade, ainda temos um enorme volume de terras com ocupação irregular; é exatamente este o alvo da MP.
Os benefícios de regularização fundiária são inúmeros: 1) acúmulo de riqueza: só se investe com segurança jurídica de que sua propriedade está protegida; 2) responsabilidade: não há como se responsabilizar um mero ocupante da terra por crimes ambientais ou mesmo tributários, ocupante que muitas vezes não tem nenhum bem nem riqueza, 3) crédito: não há como se contrair crédito sem a propriedade da terra, eliminando-se assim uma das mais importantes alavancas do crescimento. Não é possível chegar na sociedade que sonhamos sem estes três avanços.
A regularização fundiária proposta na MP 458 visa legalizar a ocupação de grande parte da Amazônia. A oposição a esta proposta, principalmente de entidades ambientais, vê a concessão de terra a ocupantes ilegais como a legitimação de um crime passado. Esta é uma visão simplista e de curto prazo; a pergunta verdadeira é "Qual o trajeto mais curto do presente a uma Amazônia conservada e próspera?". A resposta definitivamente passa pela redução da informalidade em todas as suas formas, inclusive a territorial; a alternativa é criminalizar ainda mais todas as atividades amazônicas, nos aproximando do cenário de santuário despido de ocupação. Não o queremos.
A formalização de uma economia é um processo lento. Todo o cuidado deve ser tomado para evitar injustiças, sabendo que mesmo assim algumas ocorrerão. No caso da regularização fundiária, é necessário um processo de transição que permita aos ocupantes atuais se legalizarem e se tornarem cidadãos, proprietários e responsáveis perante a lei. A MP458 é uma lei imperfeita (como todas) que ao menos foi desenhada com as complexidades da Amazônia em mente; difere das tradicionais leis que igualam São Paulo de Olivença à homônima do sudeste. Ela é um passo rumo à construção da economia amazônica que é nosso destino, que permitirá novas fontes de geração de renda, maiores e mais sustentáveis que as atuais.
O que não se pode permitir é que leis tornem povos inteiros criminosos, simplesmente para aplacar consciências culpadas de outrem.